Reino Unido deporta mais de 600 brasileiros em voo “secreto”
Reino Unido registra deportação recorde de brasileiros, incluindo crianças, em voos secretos
Entre agosto e setembro de 2024, mais de 600 brasileiros, sendo 109 crianças, foram deportados do Reino Unido em três voos classificados como “secretos” pelo jornal britânico The Guardian. O número, recorde para uma única nacionalidade em voos desse tipo, destaca uma intensificação nas políticas de migração britânicas.
Deportação ou retorno voluntário?
O Itamaraty afirmou ao g1, da Rede Globo, que os retornos foram voluntários, uma decisão tomada pelos participantes no âmbito de um programa oferecido pelo governo britânico. “Importante esclarecer que não se trata de deportação, e sim de decisão voluntária dos participantes de aderir à iniciativa britânica”, diz a nota oficial.
Já o Ministério do Interior britânico declarou ao Guardian que a medida faz parte de um esforço para intensificar ações contra a imigração irregular, o que gerou preocupação entre organizações de direitos de imigrantes. A Coalition of Latin Americans in the UK destacou o impacto negativo da deportação de crianças, muitas delas matriculadas em escolas britânicas e com vínculos profundos no país.
Números crescentes
De acordo com dados divulgados pelo Ministério do Interior, entre julho e setembro de 2024, foram realizados 8.308 retornos de imigrantes, voluntários ou forçados — um aumento de 16% em relação ao mesmo período do ano anterior. Desses, 6.247 foram classificados como voluntários. O governo oferece incentivos de até 3.000 libras (cerca de R$ 22 mil) para quem aceita retornar ao país de origem de forma voluntária.
Embora os números gerais tenham sido publicados, o Ministério omitiu que o Brasil foi o destino de voos com recorde de imigrantes. Os três voos, realizados em menos de dois meses, ocorreram nas seguintes datas e números:
- 9 de agosto: 205 pessoas, incluindo 43 crianças.
- 23 de agosto: 206 pessoas, sendo 30 crianças.
- 27 de setembro: 218 pessoas, entre elas 36 crianças.
As crianças deportadas pertenciam a unidades familiares, e muitas tinham passado toda ou grande parte de suas vidas no Reino Unido.
Barreiras e desafios
A Coalition of Latin Americans in the UK apontou que brasileiros enfrentam desafios significativos para acessar informações legais e suporte jurídico adequado, especialmente em português. Além disso, a organização criticou a falta de preparo e orientação diante das mudanças nas políticas de imigração impostas pelo Brexit, que deixaram muitas famílias em situações de vulnerabilidade.
A saída do Reino Unido da União Europeia, formalizada em 2021, eliminou o direito automático de residência para cidadãos do bloco. Como resultado, migrantes que chegaram via países da UE foram afetados por mudanças abruptas nas regras de elegibilidade.
Política migratória mais rígida
O governo britânico, liderado por Rishi Sunak, tem adotado uma abordagem cada vez mais rígida em relação à imigração. Em abril, o Parlamento aprovou uma lei que autoriza a deportação de solicitantes de asilo para Ruanda, mesmo sem vínculo prévio com o país africano. Contudo, essa medida enfrenta desafios legais, com o Tribunal Europeu de Direitos Humanos impedindo o primeiro voo previsto para junho.
O Ministério do Interior justificou o endurecimento das medidas afirmando que elas visam reduzir a dependência de hotéis para abrigar imigrantes, com potencial economia de 4 bilhões de libras nos próximos dois anos.
Posição do Brasil
O Itamaraty informou que os voos ocorreram no âmbito do Programa de Retorno Voluntário (VRS) britânico, que oferece passagens aéreas e auxílio financeiro para imigrantes retornarem aos seus países de origem. O governo brasileiro destacou que a participação no programa é voluntária e que revisará os termos caso esses critérios sejam alterados.
Em nota, o Itamaraty também mencionou que a iniciativa está alinhada aos princípios da assistência consular brasileira, que apoia brasileiros em situações de vulnerabilidade no exterior. O programa conta ainda com parceria da Organização Internacional para Migrações (OIM).
Preocupação com o futuro
A intensificação das deportações, especialmente com o impacto em crianças, tem gerado críticas e levantado questões sobre os direitos de migrantes no Reino Unido. Com políticas migratórias cada vez mais rígidas, organizações alertam para o aumento da desinformação e os desafios enfrentados por comunidades vulneráveis, como os brasileiros, que representam a maior parcela de imigrantes latino-americanos no país.